Beijámo-nos apaixonadamente, ele agarra-me nos cabelos e… bip, bip… bip, bip… o despertador toca. ”Huuummm que raio, já ouvi, já sei.” Resmungo. Esta fui eu agora pela manhã, finalmente consigo que alguém se interesse por mim e pimba, levo com o despertador. Estou aqui a olhar pela janela do quarto onde só consigo ver o cinza do céu e as gotas da chuva a deslizar pelo vidro embaciado. Tenho estado assim, por um tempo, antes de me levantar. No vazio. No silêncio. A noite foi de álcool e música, e cheguei a casa tardíssimo. Estou ainda de ressaca da festa de passagem de ano. Dancei tanto que todo o meu corpo parece que foi atropelado por um camião. Deixei de ver a Joana 30 minutos depois de chegarmos. O António é um óptimo anfitrião, e nunca me deixou sozinha, sempre a tentar casar-me, claro, sorte minha que a maior parte dos homens ou eram gays ou já tinham companhia.
Entrámos em Janeiro de 2020, estamos no início de mais uma semana, mais um ano. Novo ano, novas resoluções. A vontade que tenho de sair do quente dos lençóis é pouca ou nenhuma, e a ressaca é mesmo gigante… PORQUÊ? Estou tão bem aqui!
Apetece-me enfiar a cabeça debaixo da almofada, na esperança que o dia passe o mais rápido possível, claro, tenho a completa noção de que isso não vai acontecer.
Bom vou arranjar-me visto que me lembrei de agendar uma reunião logo a seguir à passagem do ano. Marquei com o Frederico, um novo cliente para falarmos sobre o novo projeto dele. A única coisa que sei é que é uma barbearia numas galerias. O que tem de ser, tem muita força e o dinheirinho faz muita falta, aqui vou eu!
Sentei-me na bancada da cozinha a beber café, que é a única coisa que me sabe bem pela manhã e vejo no telemóvel as redes sociais… não sou de likes, nem tão pouco partilho a minha vida, mas são uma ferramenta necessária na minha profissão. Olho o relógio que tenho pendurado por cima da mesa da cozinha e corro para o banho.
“Caramba, estou atrasada! Para quê Laura, para que te metes nestas coisas, logo pela manhã! Logo no início do ano. Estavas tão bem na caminha.”
Tinha combinado às 9h nas galerias onde o cliente ia abrir a loja.
Saí a correr, despreocupada com o cabelo, sem maquilhagem, só queria chegar a horas. Entrei no carro, limpei as gotas dos óculos com os quais não consigo viver e liguei o motor. No rádio passa Daniel Patarava, Grand Hotel. Adoro Jazz, faz-me “viajar” e ajuda-me a concentrar. É de momento o estilo que mais estou a ouvir.
A chuva teimava em não parar. Sou extremamente cautelosa com a condução, mas mesmo com chuva a malta teima em andar na rua e a conduzir que nem loucos. Na estrada quando estou mais stressada só me sai asneiras. Sai da frente pah. A quem tenha de trabalhar.
— Freeeed?! - Gritei a correr na direção dele e a ver se não me atirava para o chão. Sou tão dada ao azar que já só pensava que lhe ia cair aos pés. Que chegada triunfal.
Na esplanada, lá estava ele a fumar um cigarro, à minha espera. Já sabíamos da existência um do outro por causa do António, mas esta foi a primeira vez que nos conhecemos realmente.
O Fred é extremamente pontual e não gosta de ficar à espera.
— Laura?!
— Oh meu deus, desculpa o atraso, sim, Laura, tudo bem? Muito gosto! — Estendi-lhe a mão. Afinal de contas é um cliente.
— Ah, não faz mal, não te preocupes, chuva e estrada nunca combinam, mas já aqui estás, relaxa. Tomas café? — Fugiu da mão que lhe tinha esticado e deu-me 2 beijos na cara.
— Sim, por favor.
Sentamo-nos. Ele pediu 2 cafés ao empregado que estava a limpar a mesa do lado.
— Então como estás? - Perguntou.
— Estou bem, pronta para trabalhar e tu? Pronto para me contares tudo? — Disse eu ao mesmo tempo que tirei o computador da mala e o bloco de notas.
— Claro que sim, mas queres começar já?
— Porque não?
— Desculpa, é que sinto que já te conheço há tanto tempo, o António passa a vida a falar de ti, acaba por ser estranho, parece que temos muita conversa para colocar em dia. — Contou-me a sorrir.
— Este António, não ligues, ele só descansa quando me vir de anel no dedo, com filhos, 1 cão e um gato. Aliás, para ser sincera vinha com a sensação de que isto seria mais um arranjinho dele — Dei por mim a gargalhar para disfarçar a "piadinha" que tinha feito.
— Não me digas? É que eu preciso mesmo de uma designer para me ajudar no projeto que tenho pela frente. Não é que não fosse possível acontecer, não leves a mal, mas realmente neste momento o meu objetivo é avançar com a Barbearia.
— Claro, fica descansado que isso está garantido. Vamos começar então com o que pretendes, as tuas ideias e depois falamos mais um bocadinho.
Contou-me então da Barbearia, seria ali mesmo naquelas galerias e mais tarde levava-me a ver o espaço. Era já um sonho de miúdo, poder ter um espaço dele. Trocamos algumas ideias, mostrou-me alguns exemplos do que queria para o logótipo. Explicou-me o tipo de decoração que esperava conseguir com algumas madeiras que tinha sobrado de umas obras que tinha feito na casa da praia.
Poucas horas depois e tínhamos chegado a uma ideia final, era só passá-las para o computador, fazer uma última revisão com ele, pedir orçamentos e fazer as artes finais para enviar para a gráfica.
— Bem, queres então ir ver o espaço que aluguei? — Perguntou.
— Claro que sim, vamos?!
Caminho atrás dele e ao mesmo tempo vou analisando o ambiente, todo o envolvente. Tinha bastante movimento e estava numa zona privilegiada da Linha.
Entrámos na loja, ele encostou-se a um canto para me deixar à vontade, comtemplei as sombras que se formavam e a imaginei tudo o que tínhamos acabado de falar. O espelho grande, a cadeira antiga, o balcão, a zona de espera, o canto do café, o cheiro a gel e os cabelos no chão.
Adorei a energia daquele sítio, vai ficar um espaço fantástico.
Enquanto tirava umas fotografias com o telemóvel para as montagens, já a pensar na apresentação do estacionário. Senti-me observada e espreitei pelo canto do olho. Então puxei assunto.
— No Verão com o sol, vai ficar magnífico. Não tenhas dúvida.
— Podes sempre aparecer quando quiseres, podemos tomar um café e matas saudades... Do espaço!
Aqui já estava corada e sem jeito, mas mantive-me firme. Não posso mentir que a química é grande. Ele é um homem bonito, charmoso, tem umas mãos lindas e cuidadas. Eu adoro mãos. São a primeira coisa que reparo num homem, se rói as unhas, se pinta, se tem os dedos compridos e por ai fora! Os braços completamente tatuados. O que me chamou mesmo a atenção foi o facto de ele olhar nos olhos. Intimidante, mas tão sexy.
— Sim, claro que passo. — Evitando o olhar **— Bem, vamos ao trabalho então, o tempo passa a voar e espera-me um “serão” de trabalho em casa. Quero ver se amanhã ainda consigo enviar-te alguma coisa.
— Ok, fico à espera, sem pressão, obrigado por teres vindo e pela paciência. Vamos falando então?
— Claro que sim.
Despedimo-nos com um beijo na cara. Sou tão estúpida que paralisei com o cheiro do perfume do homem. Era tão bom.
— Estás bem? — Perguntou.
— Hã?! Sim, sim estou. Até amanhã então!
Em direção ao carro, não conseguia parar de sorrir, sou tão parva. ahahaha já só pensava que estava louca. É um cliente como outro qualquer bla bla bla bla
No caminho de casa, passava, Gene Ammons, My Romance, quando tocou o telemóvel:
— Olá mãe, estou a conduzir! É importante?
— Olá, minha filha, como estás? Onde andas? — Perguntou Diana, minha mãe.
—Estou bem, acabei de sair de uma reunião, um novo trabalho.
— Ah que bom, sempre vai aparecendo, não é minha querida? Não te esqueças de que no sábado temos almoço cá em casa, o teu irmão também vem.
— Sim, mãe não me esqueci, mas falamos mais logo ok, como disse estou a conduzir, já te ligo, beijo.
— OK meu amor até já.
Desliguei, já sem paciência para as coisas dela, se desse muita abertura começava ali um monólogo. Arranjei um lugar perto de casa. Desliguei o motor. E ali fiquei por mais uns minutos. No silêncio. Estou bem disposta, vou ter a cabeça ocupada durante as próximas horas. Tenho a certeza que o trabalho me vai correr bem, e o dinheiro vem mesmo a calhar. O Fred já tinha feito quase tudo de cabeça, ele sabia bem o que queria. Por isso já tinha adiantado muita coisa na esplanada durante a reunião, agora é só dar mais uns retoques, enviar-lhe para ele aprovar, pedir orçamentos e preparar os ficheiros para os fornecedores.
Entrei em casa e tranquei a porta, tirei os sapatos e gritei pela Joana, já não estávamos juntas à uns quantos dias.
A Joana, é a minha melhor amiga, partilhamos casa desde muito tempo, desde a faculdade. Somos família. Sabemos os “podres” uma da outra e não escondemos nada. Como não obtive resposta e não estava numa de cozinhar, mandei vir comida para as duas, de um restaurante que abriu a pouco tempo, ali mesmo no final da nossa rua. Escolhi Tofu mexido com espinafres e gengibre, acompanhado com uma salada gigante de alface, tomate e rúcula.
Entretanto, enquanto esperava pela comida, recebi um SMS da Joana a avisar que não vinha jantar e chegaria tarde.
Óptimo, mais sobra, foi a primeira coisa que me "veio" á cabeça.
Estava uma delicia, quase me apeteceu lamber o prato. Arrumei a cozinha, fiz um tupperware para a Joana depois provar.
Sentei-me mais um bocado ao computador e comecei a trabalhar. Depois daquela refeição, não me apetecia muito, mas queria mesmo despachar o máximo de trabalho possível. Assim se tivesse de fazer mais alterações, já tinha o trabalho adiantado.
1 hora da manhã e carreguei no save. Tardíssimo, nem dei por elas voarem, as horas. Não esperei para lhe enviar as maquetes e enviei naquele momento.
Feito… assim quando ele acordar de manhã vai ter tudo do lado dele para aprovar, e eu posso dormir mais uns minutos de manhã. Espero que esteja de acordo com o que idealizou, vai aqui tudo o que me pediu.
Desliguei o computador, as luzes. Tomei um duche antes de ir dormir. Estou na cama e sem sono, peguei no telemóvel para espreitar as redes sociais... Nada de novo… mais do mesmo! Quando finalmente o olho começa a fechar, o telemóvel bate-me na testa e volto a despertar, vejo uma mensagem do Fred. “Está tudo fantástico… amanhã falamos… dorme bem! bj”
“Laura, por favor, não vais responder! Ele está só a ser simpático. Vai dormir, e amanhã respondes.”
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