Domingo | 1 de Março de 2020




O domingo arrastava-se num ritmo lento, como sempre acontecia nos dias em que me dedicava às pequenas rotinas da vida. A música tocava baixinho na coluna da sala, misturando-se com o som do aspirador e do correr da água na cozinha. As roupas já estavam dobradas, a agenda da semana organizada, e o cheiro de café fresco espalhava-se pelo apartamento.

Mas, apesar de toda aquela normalidade reconfortante, a minha mente insistia em vaguear para a conversa com o Fred na noite anterior.

Sentia-me em paz com as palavras que lhe disse, fui sincera, sabia que não podia ter agido de outra forma. Mas ainda assim, havia algo que me pesava no peito.

A forma como ele saiu.

Sem mais nada. Sem uma última palavra. Sem sequer um adeus.

Pousei a chávena de café na bancada e fiquei a olhar pela janela, o olhar perdido no vazio.

Será que ele esperava que eu recuasse? Que lhe pedisse para ficar?

A verdade é que, por um segundo, senti esse impulso. Houve sentimentos não resolvidos, olhares, noites roubadas, beijos que prometiam tudo e depois desapareciam como fumo. Mas agora as coisas eram diferentes. Eu estava diferente.

Não houve aquele olhar final, aquele meio sorriso que ele costumava deixar no ar sempre que partia, como se me dissesse que voltava. Desta vez, ele simplesmente foi-se embora.

Passei a mão pelo rosto, tentando afastar o nó na garganta. Era estranho sentir essa ausência tão abrupta.

Mas talvez fosse melhor assim.

Talvez aquele silêncio fosse a única despedida que ele soube dar.

E, no fundo, talvez fosse a única de que eu precisava.

Suspirei fundo e afastei-me da janela. Ainda havia tanto para fazer. E desta vez, não queria perder mais um segundo.

Ainda assim, continuava a pensar na forma como o Paulo reagiu a tudo. A calma dele. O silêncio atento. O espaço que me deu para processar tudo sem pressões.

Eu esperava perguntas, alguma insegurança talvez, mas ele apenas me perguntou se queria falar sobre o assunto. Sem cobranças, sem desconfiança. Apenas… presença.

O Fred não era assim. Mantinha-me sempre perto o suficiente para que não o esquecesse, mas longe o suficiente para nunca realmente me ter. O Paulo, por outro lado, era o oposto. Ele confiava em mim. Confiava no que estávamos a construir.

Sentei-me no sofá, cruzei os braços sobre o peito, e senti um calor estranho a percorrer-me o corpo.

Estava tão habituada à instabilidade que, por vezes, a serenidade de dele assustava-me. Mas ao mesmo tempo… era isso que me fazia sentir segura.

O Fred era o fogo. O Paulo é o porto seguro.

E, pela primeira vez, percebi que nunca quis viver para sempre nas chamas.

Sorri sozinha, agarrei no telemóvel. Mandei-lhe uma mensagem curta. Simples, mas sincera.

"Obrigada por seres tu."

A resposta veio pouco depois.

"Sempre."

O pensamento de que, em breve, nos encontraríamos novamente dava-me um conforto silencioso.

O dia passou lentamente, com pequenas mensagens e olhares para o telefone a cada vez que um de nós tinha uma pausa. No entanto, ao final do dia, ele enviou-me mais uma mensagem, cheia de significado: “Amo cada segundo contigo.”

Li as palavras. Era tão simples, mas ao mesmo tempo, era tudo o que eu precisava ouvir. Aquilo fez-me sentir mais perto dele, como se a sua presença preenchesse o vazio de um domingo que, por mais calmo que fosse, ainda parecia incompleto.

Suspirei, e senti o peito apertado de saudade e carinho. E, sem hesitar, respondi, com a mesma simplicidade, mas com toda a verdade que me preenchia: “E eu contigo. Boa noite, meu amor.”

Quando finalmente deitei a cabeça na almofada, o pensamento dele ainda ecoava na minha mente. O sorriso nos meus lábios era involuntário, mas genuíno. Fechei os olhos, e ao adormecer, senti-me envolvida, como se ele estivesse ali, ao meu lado, apenas à espera do momento certo para me dar a mão guiar-me pela noite.

Naquele momento, mesmo separados, estávamos juntos de uma maneira que as palavras não podiam explicar, e esse pensamento foi o último que me acompanhou enquanto caía no sono.


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