Domingo | 26 de Janeiro de 2020




Bem cedo fomos até à esquadra para saber como estava a correr a investigação. Ainda não acredito em tudo o que aconteceu ontem, parecia que estava dentro de um filme. Falámos com a Detective Raquel, que está encarregue do meu "caso" para saber mais pormenores. Claro que ainda não têm nada em concreto, passou muito pouco tempo. Perguntou novamente se conhecia alguém que me quisesse mal, se tinha acontecido alguma coisa, alguma situação que levasse alguém a querer fazer-me isto.

— Claro que não. Mas acham que eu sou o quê? Alguma herdeira? Não tenho onde cair morta. Dou-me bem com toda a gente. Não tenho inimigos, que eu saiba pelo menos.

Contei-lhe da situação da Joana, que não ia a casa já á alguns dias, todas as coisas dela estavam lá… sempre que tentava ligar-lhe ia direto ao voice-mail. Desde que ela tinha sido despedida que andava estranha. Mas ao final de tantos anos nunca me tinha feito uma coisas destas de desaparecer e não dizer nada, não era dela. Tínhamos um acordo de avisarmos sempre onde estávamos.

— Acha que posso regressar à minha casa hoje?

— Acho um bocado cedo, pedia-lhe que não fosse já hoje, até porque ainda vamos lá dar um pulo só para confirmar alguns detalhes.

— Okay, mas posso passar lá para buscar mais umas coisas?

— Claro que sim, tem onde ficar hoje?

— Sim, sim, claro, ela fica comigo, claro — Disse logo o Fred.

— Acha que não voltam? Acha que estão atrás de mim?

— Creio que não, deixaram-na para trás, por isso fique descansada, mas, qualquer das formas tem o meu número e alguma coisa pode ligar-me a qualquer hora!

— Obrigada, por tudo.

Assim que saí da esquadra, o Fred regressou à barbearia, tinha a agenda cheia, e não ia conseguir desmarcar tão em cima da hora para ficar comigo.

Procurei um sítio onde pudesse fazer de escritório durante o resto da manhã e claro que tive de ficar o mais perto da praia possível. Como tinha perdido todo o meu material de trabalho, tinha de ligar aos clientes a contar a situação e pedir novas datas de entrega, remarcar reuniões, etc. O tempo estava bom, o sol estava quentinho então fui ficando por ali mesmo. Consegui fazer tudo durante a manha, fiz sinal ao rapaz que estava a servir, e pedi-lhe mais um café… fechei os olhos e aproveitei para apanhar um pouco daquele sol, esperava tirar o ar de morta viva. De repente senti uma sombra e alguém a sentar-se ao meu lado.

— Olá! — Uma voz bastante conhecida.

— Olá! Andas a seguir-me? — Questionei, sem abrir os olhos. O cheiro era bom demais para ser esquecido.

— Posso ser tarado, mas não a esse ponto! — Rimo-nos à gargalhada, apesar de tudo, ele ainda me fazia rir.

— Posso perguntar o mesmo? Andas a seguir-me?

— Pfff… “You Wish”, claro que não, depois do que aconteceu ontem, tenho mais em que pensar.

— Verdade! Afinal o que aconteceu? Vais contar-me.

— Uiii, bem, resumidamente, o meu apartamento foi assaltado ontem, levaram-me o computador, tablet, portátil tudo, tudo o que tinha para trabalhar, levaram tudo. Para além de que quem quer que tenha sido ainda estava lá e deu-me com algo na cabeça e já só me lembro de acordar no meio do caos.

Ele preocupado, chegou-se mais perto:

— Laura, mas estás bem? Porque não me disseste nada?! Podias ter ligado! Hum, espera, falamos ontem a noite e parecias bem, estiveste com ele, foi isso?

Acenei afirmativamente e vi mais uma vez a cara dele fechar.

— Calma, ele é meu amigo Paulo, e no estado em que eu estava foi o primeiro número para qual liguei.

— Sim, teu amigo!

— Sim.

— Já percebi! Pronto! Okay! — Seguiu-se uns segundos de silêncio — Se quiseres podes usar o meu!

— Desculpa? Posso usar o teu? Estás a falar de quê?

— Não precisas de um computador? Tenho 2, podes usar se quiseres! Se quiseres podes usar também o meu estúdio, tem espaço que sobre para os dois! Pelo menos até te conseguires organizar! Quero ajudar!

Fiquei quieta. Sem resposta. Olhei-o fixamente, sem saber o que responder. Não quero acreditar de que ainda existem pessoas assim, boas, depois das coisas que lhe tenho feito!

— E onde fica esse teu estúdio?

— Em minha casa… — Respondeu com um sorriso de orelha a orelha.

— E como posso ter acesso a ele, sem te incomodar?

— Podemos combinar! Dou-te uma chave, não tenho problema com isso, decidimos um horário, para não nos cruzarmos se for esse o teu problema.

— Não, claro que não. A casa é tua, não te vou privar de usufruir das tuas coisas. Mas não quero estar a mais.

— Laura, não estarás a mais, ainda não percebeste isso pois não? Desde o dia que nos falamos pela primeira vez, desde o meu concerto, desde o rooftop que para mim não estás a mais… mas… temos alguns assuntos para esclarecer! Mas não acho que seja a melhor altura agora!

— Sim, tens razão. E esta coisa do assalto não me vai atrapalhar, tenho muito trabalho em mãos que não posso perder, está muito dinheiro em jogo e toda a a ajuda é bem-vinda.

— Tem calma, aconteceu ontem… ainda nem 24 horas passaram, tens de te permitir dar um tempo a ti própria. Aproveita para descansar, arranjar novos hobbies. Vê isto como um reset, um começar de novo.

— Sim, um reset vinha mesmo a calhar. Tens razão, vou tentar… — Mais uma vez fixo o olhar nele, que ajeita o cabelo e apanha-o com o elástico no cimo da cabeça. Que homem lindo!

— És tão lindinho sabias?

— Obrigado, tu também és muito lindinha!

Ficámos mais um pouco em silêncio, que bom que é ter alguém que nos faz companhia no silêncio. Com o sol a bater-me na face fechei os olhos e só os abri quando senti movimento novamente.

Ele inclinou-se e deu-me um beijo na face. Pensei que me fosse beijar. Não vou mentir que o desejei. Mas não aconteceu.

— Passas então amanhã lá por casa?! Dou-te a chave, faço-te um tour e depois podes ficar por lá, se quiseres. Agora tenho de ir! Alguma coisa que precises podes ligar, sério! A qualquer hora Laura, não estou a brincar! - Piscou-me o olho e seguiu caminho.

Entretanto tocou o meu telemóvel... Era a minha mãe, a vontade de atender era nenhuma, não a ia preocupar com este acontecimento, já estava farta de dramas. Mas lá atendi.

— Olá mãe, tudo bem?

— Está tudo okay minha querida, e tu como estás?

— Também!

— Bom, estou a ligar-te para saber se vens no domingo?

Bolas, tinha-me esquecido completamente do babyshower do meu irmão. Ainda não comprei nada e sabia perfeitamente que se não aparecesse o meu irmão nunca mais me perdoaria. Mas também ainda agora souberam que estavam grávidos e já vão fazer um babyshower! Ainda nem sabem o que vão ter e já estão a fazer festas.

— Claro que sim mãe, como não poderia ir.

— Pronto, então, é na casa do teu irmão, ele não quis que fosse cá em casa para não dar trabalho.

— OK, então vemo-nos lá! E o pai está tudo bem com ele?

— Sim está bom, tendo coisas que o entretenham nem se ouve.

— Menos mal, vemo-nos domingo então mãe, beijinhos a todos.

— Até domingo filha.

Decidi dar um pulo lá a casa. Estava tudo tal como tinha deixado ontem. A destruição, parte-me o coração. Uma pessoa luta para ter as coisas e depois num abrir e fechar de olhos desaparece tudo. Respirei fundo e decidi reagir. Fui à cozinha, tentar encontrar um saco de lixo no meio daquela confusão e comecei a colocar tudo o que não ia conseguir aproveitar dentro do saco. Aproveitei e fiz mais um saco de coisas para doar. Passei o resto do dia naquilo, e quando vi as horas já eram 22h15! Cheia de fome, lembrei-me do restaurante vegetariano da irmã do Paulo e decidi ver se ainda serviam refeições. Estava aberto e cheio de gente, por isso entrei, sentei-me e fiz logo o pedido… tudo muito rápido! Enquanto esperava pela comida, só rezava o quanto não queria encontrar ninguém. Estava sem vontade nenhuma para conversas. Só queria comer, sair, tomar um duche e deitar-me! Decidi avisar o Fred de que ia dormir em minha casa, que já era tarde e que ficaria por ali mesmo! Ficou preocupado e ainda perguntou se queria companhia, descansei-o de que ficava bem, que alguma coisa lhe ligava.

Mais uma vez deliciei-me com a comida, era mesmo boa e ainda pedi para levar o que sobrou. Já em casa, recebi um SMS do Paulo com a morada dele. - “AQUI TENS A MINHA MORADA, ESQUECI-ME QUE AINDA NÃO SABES ONDE VIVO”, sorri, mas não respondi e fui direta ao banho, foi daqueles banhos demorados que tanto adoro, desde hidratar o cabelo, passar a gillette, fazer mascara. Tive direito a tudo.

No quarto decidi continuar no clima de me tratar bem e escolhi uma lingerie sexy, era raro vesti-las, então hoje era a ocasião certa. CRACK. Ouço barulho e paraliso. CRACK. Grito pela Joana, mas sem resposta! Só tenho tempo de pegar num casaco que ali tinha a mão e correr pelo corredor até a porta. Grito por socorro ao descer as escadas a correr. Ligo o carro e não vejo mais nada a frente! Olho o espelho retrovisor e não vejo nada atras de mim! Travo a fundo!

Toquei à campainha. Ele abriu de cara ensonada e completamente despenteado

— Laura? Está tudo bem? Aconteceu alguma coisa?

— Desculpa! Não sei se fiz bem em vir, mas... — Desatei a chorar!

— O que aconteceu? — Perguntou ele e avançou para me abraçar!

— Nem eu sei...

— O teu coração está a mil, estou a senti-lo, que raio aconteceu?

— Estava a sair do banho e nisto ouvi barulhos, perguntei em voz alta, mas não tive resposta, então assustei-me e sai a correr porta fora. — Contei á pressa, enquanto atropelava o português e enxugava as lágrimas — Não sei o que me deu para te vir chatear.

— Shh, calma, senta-te aqui, vou buscar um copo de água, tenta respirar.

Enquanto me acalmava, fiz reconhecimento da casa dele. Bom ar, arrumada e limpa. Muito branco, muita madeira clara. Claro.

— Toma, bebe! Desculpa, estou ainda um bocado ensonado.

— Desculpa, se quiseres posso ir-me embora. Não sei porque vim!

— Laura, calma, a esta hora está toda a gente a descansar. O horário assim estabelece.

— Pois mas se calhar...

Ele interrompeu-me com um beijo. Abracei-o

— Calma disse ele baixinho ao meu ouvido.

— Não sabia para onde ir... Desculpa! — Digo ainda a abraça-lo.

— Estás no sítio certo, agora acalma-te! Anda, vamos dormir um bocado, é muito tarde, amanhã contas-me tudo com calma, com todos os pormenores.

Pegou-me na mão e fomos diretos ao quarto. Tirei o casaco e sentei-me na cama de lingerie.

— Que óptimo figurino para fugirmos de casa! — Disse ele a rir.

Cala-te!

Deitamo-nos, aconchegamo-nos e adormecemos.

Que dia!!


Copyright © 2023 de Filipa Cipriano Todos os direitos reservados. Este blog ou qualquer parte dele não pode ser reproduzido ou usado de forma alguma sem autorização expressa, por escrito, do autor, exceto pelo uso de citações breves.


0 comments