Depois de mais um dia, o Paulo decidiu passar cá por casa. Sabíamos que talvez não nos víssemos tão cedo, caso a situação se agravasse. Algo no ar, algo no futuro, fazia com que cada encontro parecesse mais precioso, mais carregado de uma urgência silenciosa.
Quando abri a porta, não hesitei. Abracei-o com força. Não trocamos palavras de imediato. O abraço foi longo, e sem pressa. Os nossos corações batiam no mesmo ritmo, e tudo o que importava era estarmos juntos.
Encostei a cabeça ao peito dele, ouvindo o som familiar do seu coração, mas senti a inquietação que ele tentava esconder.
— Achas que isto vai durar muito? — Perguntei, com a voz baixa, quase perdida entre os suspiros do abraço.
O Paulo respirou fundo antes de responder, como se as palavras tivessem o peso de uma promessa. Ele queria acreditar no que dizia, mas a dúvida ainda pairava no ar.
— Não. Isto é só uma fase. Vamos ficar bem. — Disse, mas no fundo, não tinha certezas. Ele mesmo estava a tentar convencer-se de que tudo voltaria ao normal. A verdade é que, lá no fundo, ele também sentia o medo, a angústia, e a dúvida.
Jantamos juntos em silêncio. As conversas foram distrações pequenas, sem muito significado, mais para preencher o vazio do que para aliviar os pensamentos pesados. Cada garfada parecia ser uma tentativa de anular a tensão, de fazer com que o tempo fluísse de forma normal, como se a noite fosse apenas mais uma de tantas.
Mas, quando a refeição terminou e o relógio se aproximava da hora de nos despedirmos, algo mudou. Era como se o clima entre nós se tivesse transformado sem nos apercebermos. Quando o Paulo se aproximou para o beijo de despedida, foi diferente. Não foi rápido, nem casual. Foi intenso, prolongado, como se cada segundo estivesse a ser saboreado e guardado. Como se, naquele gesto, quisesse deixar registado tudo o que sentíamos um pelo outro, antes de algo que não sabíamos como seria.
Foi um beijo que se estendeu para lá do momento físico, profundo, algo que parecia de despedida, embora as palavras não tivessem sido ditas. Quando nos separámos, as palavras eram escassas. O ar entre nós estava carregado de algo não dito, de uma sensação de que, talvez, as coisas nunca mais fossem as mesmas.
— Até já... — Disse, com a voz mais suave do que o habitual, como se estivéssemos a tentar manter aquela sensação de proximidade por mais um tempo.
Ele apenas assentiu, os olhos fixos nos meus, como se também quisesse guardar aquele instante, como se a despedida fosse inevitável.
E, naquela noite, ambos sabíamos que algo tinha mudado, mas não conseguíamos dizer exatamente o quê. Apenas sentíamos que o futuro estava a criar uma distância invisível, e que, talvez, não fosse possível manter tudo como antes.
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