O meu telemóvel vibrou com uma notificação. O som do alerta interrompeu o silêncio do meu quarto, e quando olhei para o ecrã, o título congelou-me: “O primeiro caso de Covid-19 em Portugal foi confirmado.”
A minha mente imediatamente entrou em alerta. Um frio percorreu-me a espinha. Era real. Estávamos no epicentro de algo que ainda não compreendíamos bem.
Sem pensar duas vezes, liguei para o Paulo.
— Viste as notícias? — Perguntei, enquanto procurava o meu café com a mão livre.
— Vi. — Ele suspirou. — Mas calma, não é o fim do mundo.
— Pois, diz isso daqui a um mês, quando estivermos todos fechados em casa a lutar por papel higiénico.
— Dramática como sempre, Laura.
Revirei os olhos. O Paulo tem essa mania de desvalorizar tudo, até a realidade bater-lhe na cara. Mas, pronto, ele é assim.
Tentámos não dar muita importância. Tentámos continuar como sempre, ignorando o que estava a acontecer. Mas à medida que o dia passava, o assunto estava em todo o lado. No trabalho, no café, nas conversas com os amigos. As mensagens de WhatsApp, as notícias e os boatos começaram a tomar conta de cada conversa. O ar parecia mais denso, como se algo invisível estivesse a pairar sobre nós, e aumentava a nossa inquietação. A ansiedade estava em todos os cantos, silenciosa, mas presente.
Liguei para a minha mãe. Se havia alguém que teria uma opinião forte sobre isto, era ela.
— Mãe, viste as notícias?
— Vi, filha. Mas eu já sabia que ia chegar cá, era uma questão de tempo.
A voz dela soava normal, demasiado calma até.
— E aí em casa? O pai e o tio estão preocupados?
— O teu pai diz que é tudo exagero da comunicação social. O teu tio está convencido de que é uma conspiração para vender mais máscaras.
Soltei uma gargalhada. Nada como a minha família para transformar uma pandemia numa teoria de café.
— E tu? O que achas disto?
— Olha, eu não sei, mas estou atenta. Já disse ao teu pai para começarmos a comprar mais algumas coisas lá para casa, só para prevenir. Ele chamou-me maluca.
— Não sei se és maluca ou simplesmente a única pessoa sensata aí…
A minha mãe riu-se.
— E o mano? Como está ele e a Francisca?
— Estão bem, sabes como ele é… agora só pensa no bebé. Mas está preocupado, diz que se isto se espalha muito, a Rita pode ter de fazer consultas sozinha. Imagina ir ter um bebé no meio de uma pandemia.
O tom da minha mãe ficou mais sério.
— Pois… — Murmurou ela. — Olha, filha, e tu? Como estás?
— Ainda a tentar perceber se isto é para levar a sério ou não.
— Eu acho que ainda nem os especialistas sabem. Mas vê lá, começa a ter mais cuidado. Lava bem as mãos, evita grandes confusões… nunca se sabe.
Engoli em seco. O tom dela não era alarmista, mas era o suficiente para me fazer sentir um frio na barriga.
— Sim, mãe. Vou ter cuidado.
Desliguei a chamada sem saber bem o que pensar. Uma parte de mim ainda queria acreditar que o Paulo tinha razão, que isto não ia ser nada de especial. Mas outra parte, aquela que gosta de prever o pior, já estava a imaginar um cenário de caos.
E, sinceramente, não sabia qual das duas partes ia ganhar.
À noite, depois de um dia de incertezas e conversas interrompidas, fiz uma videochamada com o Paulo antes de dormir. Os nossos olhos estavam cansados, e as expressões preocupadas, mas tentámos sorrir, para manter alguma normalidade. Ele apareceu no ecrã com uma t-shirt simples, o cabelo desalinhado, mas o olhar que me deu foi de alguém que estava a tentar processar tudo o que acontecia, mas também de alguém que queria, de alguma forma, dar-me conforto.
— Se isto se agravar, prometes que não vamos deixar que nos afaste? — Perguntei, com os dedos entrelaçados na tela, sentindo a distância mais do que nunca.
A pergunta saiu sem pensar, como um pedido de garantia. Precisava de saber que, mesmo se o mundo mudasse de repente, nós continuaríamos juntos.
Ele sorriu, suavemente, mas com uma sinceridade profunda, e a resposta que me deu foi clara, sem hesitação.
— Prometo. Nada nos afasta. — A sua voz, embora calma, trazia algo que me acalmava. A certeza de que, enquanto tivéssemos um ao outro, tudo o resto poderia ser superado.
O silêncio que se seguiu foi confortável. As palavras já não eram necessárias. Havia algo de intransponível naquele momento, como se a sua promessa estivesse impressa no ar, mais forte do que qualquer incerteza.
Antes de desligar, ficámos ali, apenas a olhar-nos, a partilhar a solidão que agora nos envolvia, sabendo que a distância física era agora uma constante, mas que a ligação entre nós continuaria, fosse qual fosse o cenário que o futuro nos reservava.
Desligámos, mas o eco da voz dele a prometer-me que nada nos afastaria, ficou comigo, como um abrigo onde me refugiar.
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