Quinta | 27 de Fevereiro de 2020




Acordei com uma ideia que me fez sorrir logo ao abrir os olhos. Queria de alguma forma surpreendê-lo, fazê-lo sentir-se especial, mesmo que a distância nos separasse. Peguei no carro e passei pelo restaurante dele, sentindo uma mistura de excitação e nervosismo. Pedi um café, o favorito dele, e, sem hesitar, escrevi um bilhete à mão, com letra cuidada e cheia de carinho. Escrevi: "Para tornar o teu dia mais doce. Mal posso esperar para te ver." O simples gesto de deixar-lhe algo tangível, algo meu, naquele lugar onde ele passava os dias, parecia a forma perfeita de dizer o que não conseguia expressar apenas com palavras.

Deixei o café e o bilhete na sua mesa e, com o coração mais leve, voltei para casa, imaginando como ele reagiria. A sensação de ter feito algo para torná-lo mais feliz deixou-me envolta em uma suave ansiedade.

Pouco tempo depois, o telefone tocou. Era ele. A minha barriga deu uma reviravolta. Atendi rapidamente, e logo ouvi a sua voz, suave, mas cheia de emoção.

Sabes que és a melhor parte da minha semana, não sabes? — Disse, e eu pude sentir o sorriso dele mesmo através do telefone. Era como se estivesse a olhar para ele, com os olhos a brilhar de carinho, e a sensação de o ter por perto, ainda que à distância, aqueceu-me o coração.

Ri baixinho, sentindo o calor do afeto nas suas palavras.

Então prepara-te! — Respondi com um tom ligeiramente provocador, e com um sorriso que ninguém mais poderia ver. — Porque amanhã, sou a melhor parte da tua noite.

Ele ficou em silêncio por um momento, como se as palavras que eu tinha dito o tivessem tocado de forma profunda. Depois, o riso dele preencheu o espaço entre nós, e eu soube que ele estava a imaginar aquele momento, talvez até a sentir a mesma antecipação que eu. O meu coração batia mais rápido, e o simples som da sua voz fez a saudade que me apertava o peito parecer um pouco mais leve.

Mal posso esperar para te ter perto de mim. — Disse ele, e havia algo na forma como falou que me fez sentir um calor inesperado. Aquela declaração simples, mas tão cheia de sentimento, fez-me suspirar.

Eu também, Paulo. Mais do que imaginas. — Respondi, com o tom de voz mais suave, cheia de desejo mudo de estar ali com ele, de não precisar de palavras para sentir a mesma coisa. De sentir o seu abraço, o seu toque, a forma como sabia exatamente como me fazer sentir especial.

Por um momento, não precisamos de mais palavras. A ligação continuou, mas o silêncio que se seguiu não foi vazio. Era confortável, como um abraço que nos envolvia mesmo à distância, e sabíamos que, mais cedo ou mais tarde, os nossos corpos iriam, finalmente, se encontrar de novo. A promessa daquela noite, da nossa noite, pairava no ar.

Entretanto o telemóvel voltou a tocar, e assim que vi o nome de Fred no ecrã, um arrepio percorreu-me a espinha. Atendi sem hesitar, já sabendo que aquela chamada não seria apenas uma conversa inocente.

Oi, Fred. — A minha voz saiu mais suave do que pretendia, mas a verdade é que a simples visão do nome dele já me deixava num estado estranho.

Do outro lado da linha, ouvi um riso baixo, arrastado, carregado daquela confiança insolente que ele tinha.

Laura... — Disse o meu nome de um jeito lento, quase como um sussurro rouco. — Tava a tentar dormir, mas adivinha só? Não consigo parar de pensar em ti.

Mordi o lábio, sentindo uma onda de calor espalhar-se pelo meu corpo.

Ah, é? — Perguntei, tentando parecer indiferente, mas a minha própria voz já denunciava o que aquela frase me fazia sentir.

Sim. — Ele fez uma pausa, como se quisesse saborear o momento. — Fecho os olhos e só vejo a tua boca… lembro-me de como me olhas quando estás a segurar o riso. E agora? O que estás a fazer, hum?

A minha respiração tornou-se um pouco mais pesada, e virei-me na cama, puxando os lençóis sobre mim como se isso fosse me proteger do efeito que aquela voz tinha sobre mim.

Estou na cama.

Fred soltou um gemido baixo, quase inaudível, mas que me fez apertar as pernas instintivamente.

Sozinha?

Sim… — Respondi, e ele riu de leve, como se já tivesse imaginado exatamente como eu estava.

Aposto que estás só de camisola e cuequinha, toda enrolada nos lençóis… queria estar aí para puxá-los devagarinho e ver se estou certo.

O calor subiu-me ao rosto e ao resto do corpo. Apertei o telemóvel contra o ouvido, sentindo a pele formigar com cada palavra dele.

Fred… — O meu tom era quase um aviso, mas ele não tinha intenção nenhuma de parar.

O quê? Só estou a ser sincero. Tenho saudades tuas, Laura… saudades do teu cheiro, do teu toque… de ouvir a tua respiração entrecortada quando te provoco assim…

Mordi o lábio com mais força. Ele sabia. Sabia exatamente como mexer comigo, como me deixar à beira do insuportável com apenas palavras.

Quero sentir a tua pele quente contra a minha, quero ver os teus olhos semicerrados quando te puxo para mais perto… e principalmente… quero ouvir o teu gemido baixinho quando eu sussurro no teu ouvido e te faço perder o controlo.

O ar ficou pesado à minha volta. Os meus dedos apertavam os lençóis, a respiração já nem tão controlada.

Fred… — Tentei falar, mas a minha voz saiu num sussurro falhado.

Diz-me, Laura… estás a morder o lábio agora?

Engoli em seco.

Sim.

E o teu corpo? Já está a implorar pelo meu toque?

Fechei os olhos, sentindo o calor se espalhar como fogo líquido pelas minhas veias.

Queria tanto estar aí para acabar com essa tua tortura… — Murmurou.

O silêncio entre nós era carregado, cheio de tudo o que queríamos dizer sem precisar de palavras.

Fred... estás a provocar-me.

Estou. E gosto de saber que estou a deixar-te assim…

A minha pele estava em brasa, o corpo a pulsar com a necessidade de estar perto dele.

Dorme bem, Laura… ou tenta. — O riso dele veio do outro lado, malicioso, antes da chamada cair.

Fiquei ali, deitada, o telemóvel ainda na mão, o corpo quente, o desejo latente. E a certeza de que dormir seria a última coisa que conseguiria fazer.

Fred.

Não era justo pensar nele. Mas era inevitável. Ele aparecia nos pequenos espaços vazios da minha mente, nos ecos de uma saudade que nunca desaparecia completamente. Não era só ele, mas a forma como a fazia sentir. O riso despreocupado, a adrenalina, a maneira como parecia saber sempre exatamente o que dizer para me provocar, para puxar um turbilhão de emoções. Com Fred, tudo era intenso, avassalador, como uma tempestade que chegava sem aviso e a deixava ofegante, sempre à beira de algo incontrolável.

Mas o Paulo…

O Paulo é diferente. Com ele, sentia uma paz que nunca tinha encontrado no Fred. Era conforto, era constância, era a certeza de que, ao final do dia, teria alguém ali. Ele olhava para mim como se quisesse desvendar-me aos poucos, sem pressa, com uma paciência que me fazia sentir especial. Com o Fred, sentia-me desejada, consumida. Com o Paulo, sentia-me admirada, apreciada. Não que o Paulo não me deseja-se… mas… é diferente.

E estava a gostar disso. Muito mais do que imaginava.

Suspirei, tentando afastar a confusão que se instalava dentro de mim.

Saudade não era sinónimo de arrependimento. Eu sabia disso. O que tive com Fred tinha sido real, mas agora é passado. Um passado que ainda me provocava arrepios quando ressurgia na minha mente, mas que não podia definir o meu presente.

E o presente é o Paulo.


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