Sábado | 11 de Abril de 2020




Os primeiros raios de sol começaram a despontar no horizonte. O frio ainda estava presente, mas menos cortante do que durante a madrugada.

Pisquei os olhos pesados de sono e senti o corpo dormente. Passei a noite encostada a ele, sentindo o calor como único conforto no meio do desconforto absoluto.

Um barulho metálico ecoou, e sobressaltei-me.

Bom dia.

Um homem de meia-idade, com um colete fluorescente e uma expressão sonolenta, destrancava a porta da loja de conveniência.

Levantámo-nos num salto.

Por favor, diga-me que tem gasolina! — Implorou o Paulo.

O homem arqueou uma sobrancelha, olhando para o nosso estado encharcado e miserável.

Se tiverem dinheiro, tenho gasolina.

Quase me atirei ao pescoço do senhor de felicidade.

Poucos minutos depois, com um bidão cheio nas mãos e as esperanças renovadas, os dois voltamos à estrada.

Nunca mais reclamo de uma bomba de gasolina na vida. — Disse, enquanto caminhávamos de volta para a caravana.

E eu nunca mais viajo sem confirmar o nível do depósito. — Acrescentou ele, rindo.

Quando finalmente chegámos ao veículo, suspirei de alívio ao ver o nosso refúgio sobre rodas à nossa espera. Assim que o Paulo despejou a gasolina e deu à chave, o motor rugiu em resposta.

Bati palmas como uma criança.

Estamos de volta ao plano!

O Paulo olhou para mim e sorriu, um olhar cheio de promessas.

Estamos. E agora nada nos para.

Senti um arrepio, mas desta vez, não era de frio.

Com um sorriso cúmplice, sentamo-nos lado a lado e arrancamos estrada fora, prontos para o verdadeiro início da fuga que tanto desejamos.

Com a estrada finalmente livre à nossa frente, senti o coração a desacelerar. O motor da caravana ronronava num ritmo constante, parecia que tudo estava realmente a correr bem.

O sol brilhava no céu límpido, que secava as roupas molhadas da noite passada. Abri a janela e fechei os olhos, deixando o vento quente acariciar-me o rosto.

Sentes isto? — Perguntei, a rir.

O Paulo espreitou-me.

O quê?

Liberdade.

Ele sorriu e, sem tirar os olhos da estrada, pegou na minha mão, e entrelaçou os dedos.

Quilômetros depois, quando começámos a avistar as montanhas verdejantes do Gerês, arregalei os olhos de admiração. O cenário era de cortar a respiração: lagos cristalinos refletiam o azul do céu, cascatas caíam em diferentes níveis pelas rochas, e a vegetação envolvia tudo num abraço selvagem.

Uau...

Diz-me que valeu a pena. — Perguntou-me ele, estacionando a caravana num pequeno descampado com vista para o rio.

Virei-me para ele, com o olhar brilhante.

— Valeu cada segundo.

Assim que saímos, estiquei os braços para o céu, respirando fundo o ar puro da serra.

Paulo aproximou-se por trás e envolveu-me num abraço apertado.

Temos tudo o que precisamos aqui. Água, comida, natureza... — Disse ele ao meu ouvido. — E finalmente, só nós dois.

Inclinei a cabeça para trás, fitando-o.

Então acho que está na hora de começar esta aventura.

Ele sorriu antes de me beijar, ali, no meio da natureza, longe do mundo e de qualquer preocupação.

A fuga estava completa.

O sol começou a pôr-se atrás das montanhas, pintando o céu de tons laranja e lilás. O silêncio do Gerês era apenas interrompido pelo som da água a correr no rio e pelo canto distante dos pássaros.

Tínhamos passado o resto dia a explorar os arredores, a molhar os pés na água gelada e a rir das nossas próprias desventuras. Agora, de volta à caravana, preparávamo-nos para a nossa primeira noite juntos, longe de tudo, após tantos dias separados.

O Paulo acendeu algumas velas no interior da caravana, criando um ambiente acolhedor e quente. Eu, enrolada numa manta fina, observava-o em silêncio, com um sorriso brincando nos meus lábios.

Isto parece um filme!

Ele sentou-se ao meu lado, passando o braço à volta dos meus ombros.

Se for um filme, então é o meu favorito.

Ri baixinho, encostando-me a ele.

Sabes... por mais que esta ideia fosse louca, eu acho que precisava disto. — Confessei, fitando-o com intensidade. — Precisava de me desligar. Mas, acima de tudo, precisava de ti.

Ele acariciou-me o rosto com delicadeza, com os olhos a brilhar num misto de desejo e ternura.

Eu estou aqui. Sempre estive.

O beijo veio devagar, suave no início, como se ambos quiséssemos prolongar ao máximo, aquele momento. Mas rapidamente tornou-se mais intenso.

Entrelacei os dedos nos seus cabelos, e puxei-o para mais perto, sentindo o calor do corpo dele contra o meu. O mundo lá fora não existia. Não havia pandemia, não havia medo. Só nós dois.

A noite avançou, e entre sussurros e carícias, entregámo-nos um ao outro como se aquele fosse o único momento que importava.


Copyright © 2023 de Filipa Cipriano Todos os direitos reservados. Este blog ou qualquer parte dele não pode ser reproduzido ou usado de forma alguma sem autorização expressa, por escrito, do autor, exceto pelo uso de citações breves.


0 comments