Segunda | 16 de Março de 2020




Acordei com o som do despertador a quebrar o silêncio absoluto. Normalmente, acordaria ao som do trânsito lá fora, com os carros apressados a rumar para o seu destino, a cidade ainda cheia de movimento. Mas hoje, ao abrir os olhos, o que me rodeou foi apenas o silêncio. O mundo está parado. A cidade, normalmente vibrante e cheia de vida, agora parece um lugar distante e vazio. Não havia um zumbido constante do dia a dia. O único som era o meu próprio respirar, num quarto que parecia mais silencioso do que nunca.

Levantei-me lentamente. Olhei pela janela, mas a rua está vazia, sem as pessoas apressadas que costumam passar ali.

Durante o dia, troquei mensagens constantes com o Paulo, uma tentativa de nos mantermos conectados, e de nos apoiarmos. Mas cada palavra escrita, por mais carinhosa que fosse, parecia faltar algo. A distância entre nós não era apenas física; estava agora marcada pelo ecrã frio do telemóvel. As palavras tinham a pressa do dia a dia, mas faltava-nos a presença, o calor, a proximidade que normalmente preenchia os momentos que passávamos juntos. Era uma conversa sem abraço, sem o toque reconfortante que sempre compartilhávamos.

O telemóvel vibrou sobre a mesa, e o nome da Joana iluminou o ecrã.

Sorri ao ver a chamada de vídeo e atendi de imediato.

Finalmente, olha quem se lembra que tem uma melhor amiga! — Brinquei, ajeitando o telemóvel para me encostar no sofá.

Do outro lado, a Joana revirou os olhos com um sorriso culpado.

Eu sei, eu sei… tenho sido uma amiga terrível. Mas esta quarentena tem-me deixado louca!

Ri-me.

Bem-vinda ao clube. Então, como está a correr isso por aí? Ainda não te deixam voltar?

A Joana suspirou, passando a mão pelo cabelo.

Nem pensar. Os voos continuam cancelados, e sinceramente, já começo a duvidar que consiga regressar tão cedo. Está tudo um caos, amiga. Mal posso sair de casa, e quando saio, parece que entrei num filme distópico. As ruas estão desertas, as pessoas evitam-se umas às outras, e as prateleiras dos supermercados continuam vazias.

Abanei a cabeça.

Aqui está igual… Fui ao supermercado ontem e parecia o apocalipse. Nunca pensei ver algo assim.

Ela apoiou o queixo na mão e suspirou.

Estou a ficar impaciente. No início, até gostei da ideia de ter tempo para descansar, ver séries, ler… mas agora? Só quero voltar para casa. Quero a minha vida de volta.

Senti um aperto no peito ao ver a expressão abatida da minha amiga.

Eu percebo-te… parece que estamos todos à espera de algo, mas ninguém sabe bem do quê.

Houve um breve silêncio, até ela mudar de tom.

Mas vá, chega de drama. Conta-me sobre ti! Como estão as coisas contigo e o… “corredor”?

Ri-me e revirei os olhos.

O Paulo está bem. Temos falado todos os dias… tem sido estranho não o ver, mas ao mesmo tempo, acho que nos aproximámos ainda mais.

Hummm… isso soa-me muito, a quem está apaixonada, Laura. — Joana arqueou uma sobrancelha, divertida.

Já eu mordi o lábio, sentindo o coração acelerar.

Talvez…

— Ai, meu Deus! Tu estás mesmo apanhada!

Talvez esteja… mas tu sabes como é que eu sou.

A Joana abanou a cabeça.

Amiga, às vezes tens de parar de pensar tanto e simplesmente viver. O Paulo gosta de ti, tu gostas dele… aproveita.

Senti-me um pouco mais leve.

Tens razão.

— Sempre tive! — Diz, a piscar-me o olho.

Ficamos mais um tempo a conversar sobre coisas banais, rindo e partilhando momentos da nova rotina esquisita em que o mundo inteiro estava mergulhado.

Era estranho.

À noite, já tarde, quando os dois finalmente parámos para descansar, a necessidade de nos vermos era palpável. O Paulo iniciou uma videochamada.

Preciso de te ver. — Diz. Senti o peso daquelas palavras, e o meu coração aperta ao perceber que ele sente o mesmo vazio, a mesma saudade que me invade.

Eu também. — Respondi, como se as palavras não fossem suficientes. Como se apenas dizer isso não fosse suficiente para expressar a falta que sentimos um do outro.

Ambos sabemos que não podemos estar juntos. A distância imposta pelo mundo — pelo vírus, pelo medo, pela quarentena — tornou-se a barreira mais forte que jamais imaginaríamos ter que enfrentar. Sabemos que o nosso amor é forte, mas pela primeira vez, é desafiado pela realidade implacável do que está a acontecer.

Por fim, o Paulo respira fundo e, com um sorriso triste, diz:

Vai ficar tudo bem, bonita. Vai passar. Nós vamos passar por isto.

Eu sei. Vamos ficar bem. — Respondi, com confiança.

Quando finalmente desligamos a chamada, a sensação de vazio fica. Não é apenas a quarentena que nos separa agora, é a necessidade de nos adaptarmos ao desconhecido.


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