O ar ainda carregava o nosso perfume, uma mistura de pele e desejo que tornava tudo ainda mais intimo. Eu estava deitada de lado, nos lençóis desarrumados que cobriam apenas uma parte do meu corpo. O meu cabelo caía em ondas sobre a almofada e estava tranquila. É como se o tempo tivesse desacelerado e nos desse mais um pouco daquele momento, antes que a correria de Segunda-Feira nos chamasse de volta á realidade. Comecei a mexer-me, com o rosto escondido na almofada enquanto solto um som baixo preguiçoso. Abri os olhos lentamente, piscando contra a luz do dia. Vi-o ali, a olhar para mim e sorri.
Ele estava acordado, deitado de lado, com o braço apoiado na cabeceira.
— Estavas a ver-me dormir?
— Talvez — Respondeu ele com a sua voz rouca. Inclinou-se para me beijar a testa e demorou-se ali por um momento. — Bom dia.
Ri baixinho, espreguiçando-me sob os lençóis, com os músculos ainda doridos da noite passada.
— Bom dia — Olhei para o relógio na mesa de cabeceira e fiz uma careta — Segunda-Feira.
Ele soltou um suspiro teatral e deitou-se de costas ao meu lado.
— Não digas isso! Estás a estragar o momento.
Virei-me para o lado, e apoiei o queixo na mão enquanto o olhava.
— Qual é a tua sugestão? Que finjamos que o mundo lá fora não existe?
Ele virou-se para mim, os nossos rostos agora a poucos centímetros de distância.
— Exatamente isso.
Ri-me, mas hesitei, como se a ideia fosse mais tentadora do que deveria.
— És terrível. Tenho uma reunião ás 9h…
— E até lá? — Deslizou a mão pelo meu braço, subiu até ao meu ombro nu, o toque tão leve que me causava arrepios. — Ainda temos tempo.
Fechei os olhos por um instante, aproveitando o toque dele.
— É assim que me convences de tudo, sabias?
— Não tenho culpa, que sejas fácil de convencer. — Sorriu e inclinou-se para me beijar. O beijo foi calmo, sem pressa, para tentarmos prolongar aquele instante por mais alguns minutos preciosos.
Quando o beijo terminou, suspirei e encostei a testa na dele.
— Tens de parar de me fazer querer ignorar a minha vida por ti.
— Nunca. — Respondeu-me com um sorriso desafiador.
Acabamos por ficar ali por mais um tempo, a rir e a trocar carinhos.
Levantei-me, para enfrentar o dia. Ele, observava-me da cama.
— Não tens nada para fazer hoje?
— Sim tenho, mais tarde! Tenho de ir ao restaurante receber uns fornecedores, porque a Raquel teve de ir tratar de outras coisas e não vai conseguir chegar a tempo.
— Ok, da minha parte precisas de alguma coisa?
— Só de mais um beijinho, para me ajudar a levantar!
Ele leva as mãos grandes, elegantes até ao cabelo. Os dedos hábeis deslizam entre os fios, puxando-os para trás com precisão, mas sem pressa, revelando um rosto marcante. A mandíbula é forte, bem delineada, com uma barba rala que adicionava um toque de masculinidade descontraída. As maçãs do rosto altas e a leve curva de um sorriso no canto dos lábios tornam-no ainda mais irresistível.
Os olhos brilham com um misto de foco e naturalidade enquanto junta o cabelo num rabo de cavalo. As suas veias nos antebraços destacam-se levemente enquanto ele amarra os fios com um elástico preto, dando um laço simples, mas firme.
Quando termina, dois fios soltos caem pela lateral do seu rosto, conferindo-lhe um ar despreocupado, quase selvagem. Ele passou a mão pela nuca, satisfeito e ajeita um ultimo detalhe, antes de me soltar um sorriso. É um homem que exala charme sem esforço, alguém que não é apenas lindo de se olhar, mas também tem uma presença magnética, capaz de fazer qualquer uma se perder nos seus movimentos simples, como o gesto de prender o próprio cabelo.
Eu ainda ao espelho, olho o meu reflexo, mas a imagem parecia estranha, quase distante. Passei os dedos pelos cabelos de forma distraída, mas a minha mente estava noutro lugar, perdida em pensamentos que giravam em círculos, sempre a voltar á mesma pergunta: “Por que é que ele me escolheu?”
Era impossível não pensar nisto. Ele é tudo o que sempre quis - gentil, carinhoso, confiante e com um sorriso que me fazia esquecer o mundo. Quando ele me olha, é como se não houvesse mais ninguém. Como se fosse o centro do universo. Mas era precisamente isso que me fazia questionar. “Eu? Logo eu? O que é que ele vê em mim que eu própria não consigo?” No fundo havia sempre uma voz que sussurrava: “Ele merece alguém melhor. Alguém que não seja tão insegura, tão cheia de defeitos.”
Lembrava-me das vezes em que ele me elogiava, e dizia que eu era linda, mesmo quando estava de pijama, despenteada e sem maquiagem. Ou das vezes que se ria de algo que eu dizia, como se fosse a coisa mais engraçada do mundo, enquanto me perguntava o que havia de tão especial naquelas palavras. Ele fazia parecer fácil amar-me. Mas, para mim, não era fácil aceitar que alguém tão incrível pudesse querer ficar.
Fechei os olhos por um momento, e tentei afastar aquela sensação. “Será que ele sabe o quanto me esforço? Será que ele percebe como tento ser a pessoa que ele merece?” Eu quero ser mais para ele. Mais forte, mais segura. Queria que ele nunca tivesse de duvidar de mim, mesmo que no fundo eu mesma duvidasse.
Afastei de vez tudo o que me estava em mente e olhei para ele, para aquele homem alto, com uma postura relaxada e confiante. Com os seus cabelos loiros a caírem sobre os ombros, os fios brilhantes em tons dourados que pareciam captar a própria luz do ambiente.
Fui até ele e e beijei-o apaixonadamente.
— Aqui tens o teu beijo, agora vou trabalhar, fui! — Disse afastando-me para a sala para me sentar ao computador e preparar a reunião que estava prestes a começar.
Alguns minutos depois ele aproximou-se, deu-me um beijo na nuca e disse-me:
— Espero por ti as 13h no restaurante para almoçarmos, e não digas não, tens de te alimentar. Adoro-te.
— Também te adoro.
O restaurante estava movimentado, o som das conversas e talheres preenchiam o ambiente, mas para nós parecia que o mundo inteiro havia ficado do lado de fora. Sentados numa mesa pequena perto da janela, a luz do meio-dia iluminava os nossos rostos, mas o brilho dos meus olhos não precisava de ajuda. Tinha chegado primeiro, com o tempo cronometrado entre o fim de uma reunião e a pausa de almoço. Apressada, passei um batom no reflexo do telemóvel e ajeitei o cabelo. Ele entrou pela porta com o seu sorriso fácil e fez o meu coração acelerar.
— Pensei que não fosses conseguir vir — Disse a gozar, visto que ele já lá estava desde manhã.
— E perder a oportunidade de te ver a meio do dia? Nem pensar. — Puxou-me para perto, o perfume dele envolveu-me por um momento que pareceu muito curto.
Estávamos frente a frente, mas as mãos logo se encontraram a meio da mesa. Ele segurou-as, os dedos deslizavam suavemente enquanto me olhava como se estivesse a tentar memorizar cada detalhe do meu rosto.
— Como foi a manhã?
Suspirei com um pequeno sorriso e a brincar com os lábios.
— Cansativa. Mas agora parece que valeu a pena.
Riu-se, com aquele riso que eu amava.
— Estás a flertar comigo durante a hora de trabalho? Acho que estou a gostar disso.
O empregado chegou com os menus, mas nenhum de nós parecia apressado em olhar. A comida era uma desculpa. O verdadeiro motivo estava na troca de olhares, nos sorrisos tímidos, nas piadas baixas que só nós entendíamos.
— Tenho vinte minutos e depois tenho de voltar — Disse, assim que vi o relógio de pulso.
Ele arqueou uma sobrancelha, indignado.
— Só vinte? Acho que vou protestar com o teu chefe. Não dá para te aproveitar em tão pouco tempo.
Ri, balançando a cabeça.
— Então vai ter de ser rápido.
— Não tão rápido. — Apertou-me a mão de leve, e inclinou-se sobre a mesa. — Vinte minutos contigo valem mais do que o resto do dia inteiro.
Corei. Um calor subiu-me enquanto ele continuava a olhar-me como se fosse a única pessoa naquele restaurante.
Quando a comida chegou, comemos devagar, entre risadas, palavras doces e olhares que diziam tudo o que não era dito. E quando o relógio finalmente deu o aviso cruel de que a pausa estava a acabar, saímos rápido, apenas para ganhar mais um ou dois minutos juntos.
No passeio, em frente ao restaurante, ele segurou-me pela cintura e puxou-me para perto uma última vez.
— Promete-me que não te vais esquecer de mim até ao jantar?
Ri, com os braços ao redor do pescoço dele.
— Não vou nem tentar.
O beijo que trocamos foi breve, mas cheio de promessa, antes de voltarmos para as nossas rotinas. Enquanto me afastava, ele ficou ali parado, a observar-me a desaparecer entre as pessoas.
O telemóvel tocou na mesa da cozinha. Estava a terminar de preparar um chá quando vi o nome “Mãe” a brilhar no ecrã. Suspirei, e um sorriso leve surgiu no meu rosto enquanto atendia.
— Olá, mãe!
— Filha! — A voz animada dela surgiu do outro lado. — Estava a pensar em ti. Consegui um tempinho agora e queria saber como estás.
Encostei-me ao balcão, o vapor do chá subia preguiçosamente á minha frente.
— Estou bem, na correria de sempre. E tu? E o pai, como está tudo por ai?
— Ah, tubo bem. Mas não me enroles! Quero saber do Paulo. Como é que ele está?
Ri-me a balançar a cabeça. Sabia que ela não iria perder tempo até chegar ao assunto principal.
— Ele está bem, mãe. Ainda estamos a conhecer-nos, mas está tudo a correr bem.
— “A correr bem”? — Repetiu com um tom leve de desconfiança que só as mães sabem fazer. — Não me enerves Laura. Da última vez que falámos, disseste que estavas encantada por ele. Agora está só “a correr bem”?
Mordi o lábio e ri baixinho.
— Tá bem, tá bem. Estamos bem, mesmo! Ele é… Ele é especial, sabes? Parece que me entende de uma forma que nunca ninguém me entendeu antes.
— Ah, é bom ouvir isso! — Respondeu satisfeita. — E ele foi muito simpático comigo quando o conhecemos. Parece um rapaz muito educado.
— Ele estava um bocado nervoso! — Disse, rindo-me só de me lembrar do momento. — Antes de vos conhecer, a ti e ao pai, perguntou umas cinquenta vezes se vocês eram muito exigentes.
— Nós? Exigentes? — Riu-se do outro lado. — Só queremos o melhor para ti, filha, é pedir muito?
Revirei os olhos, mas não contive o riso.
— É claro que não, mãe. Mas passou no teste, certo?
— Ah, claro que passou. Eu gostei dele e o pai também. Tem um aquele jeito calmo e parece bastante equilibrado. E olha-te de uma forma tão bonita, filha. Dá para ver que gosta bastante de ti.
Fiquei quente com a observação dela. Era verdade. Ele tinha um jeito especial de me olhar.
— Ele é incrível, mãe. Mas, ás vezes, fico com um pouco de medo, sabes? Parece… bom demais para ser verdade.
A minha mãe ficou em silêncio por um segundo, antes de responder com uma suavidade que mostrava toda a sua sabedoria.
— Isso é normal. Quando encontramos alguém que nos faz sentir tão bem, ás vezes é difícil acreditar que o merecemos. Mas pelo que me contas, parece que ele sente o mesmo por ti. O importante é que vocês se respeitem e se entendam.
Senti-me um bocado mais aliviada com as palavras dela.
— Eu acho que ele sente. É carinhoso e escuta-me de verdade… faz-me sentir segura.
— Então aproveita, meu amor. Relacionamentos não precisam ser complicados. Se ele te faz feliz e tu fazes o mesmo por ele, é o que importa.
Sorri. Olhava para o chá que já estava a ficar frio.
— Obrigada, mãe. Acho que precisava ouvir isso.
— Sempre que precisares. E diz ao Paulo que estamos á espera da próxima visita! Até já sei o que vou cozinhar!
— Vou contar-lhe, ele vai adorar certamente.
Despedimo-nos e, ao desligar, senti-me mais leve. O que antes parecia uma mistura de ansiedade e dúvida, agora era apenas uma certeza tranquila: estava exatamente onde deveria estar.
Voltei ao trabalho. Abri o Notion, onde mantinha toda a minha vida organizada. Tinha ainda 2 projetos para finalizar e enviar aos clientes ainda hoje. Um deles tinha ainda de finalizar o logotipo e montar o guia de estilos. No outro tinha ainda de ajustar o design dos ecrãs e fazer a revisão com o programador.
Defini prioridades, separei arquivos necessários e planeei o resto da tarde. Duas horas depois faço uma pausa rápida. Vou á cozinha e tiro um café, alongo-me um pouco e aproveito para ver o telemóvel. Vejo umas mensagens, um vídeo curto no Instagram, mas tentei não me distrair muito e voltei rapidamente á secretária.
Já com ambos os projetos quase prontos, fiz uma última revisão. Escrevi os e-mails de entrega, anexei os arquivos e expliquei o que fiz. Antes de enviar, verifiquei uma última vez.
Com os e-mails enviados, senti um alivio imediato. A tarde foi intensa, mas produtiva. Para encerrar o dia, atualizei o meu sistema de tarefas no Notion e fiz uma pequena reflexão sobre o que aprendi em cada projeto.
Desliguei o computador e agarrei no telemóvel para ver como estava o meu surfista preferido.
— Olá, já estou com saudades.
— Saudades? Estivemos juntos, faz o quê, umas… quatro ou cinco horas. — Diz a rir.
— Quatro horas que pareceram uma eternidade! O que andas-te a fazer depois que nos largamos.
— Nada muito emocionante… trabalhei um bocado, mas parecia que estava tudo tão mau. Acho que levas-te a animação toda contigo.
— Meu deus, que dramático. — Ri e continuei a brincadeira. — Já te vejo a escrever poemas sobre solidão…
— Sério! Parece tudo muito mais interessante quando estás por perto. E tu? O que fizeste de bom?
— Fiz um chá, enquanto falava com a minha mãe. Depois organizei-me e finalizei 2 projetos que estavam por entregar. Agora estava aqui a pensar em ti.
— Que bom, que pensamos um no outro. — Disse-me com a voz suave.
— Só assim é que dá para aguentar. Amanhã compensamos, certo?
— Amanhã encho-te de abraços, prometo.
— Adoro-te
— Adoro-te mais.
— Impossível
— Estás certa. Então estamos empatados.
— Boa, até amanhã beijo.
— Até amanhã, dorme bem.
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