Segunda | 24 de Fevereiro de 2020




O dia parecia não ter fim. O peso do cansaço aninhava-se nos meus ombros, puxando-me para baixo. Suspirei fundo e afundei-me no sofá, deixando que a exaustão me envolvesse. Fechei os olhos por um momento, tentando esquecer a confusão do dia. E então, o telemóvel vibrou. Uma mensagem.

“Passo por tua casa para um café e um beijo?”

O nome de Paulo brilhava no ecrã. Um sorriso, quase involuntário, iluminou-me o rosto. O meu coração bateu mais forte, afastando qualquer traço de fadiga. Apenas escrevi:

“Vem.”

Vinte minutos depois, ouvi a campainha. Quando abri a porta, lá estava ele, segurando um pequeno ramo de flores, um gesto desajeitado mas doce.

Não soube escolher, mas queria trazer-te algo bonito.

Ri, tocada pelo gesto. Puxei-o pela t-shirt e beijei-o, sentindo o gosto familiar que fazia o mundo desacelerar. O café arrefeceu na mesa enquanto conversávamos, os nossos olhares tropeçando um no outro, os nossos corpos a reencontrarem-se como se nunca tivessem estado separados. O tempo escapava-nos por entre os dedos.

Quando ele se levantou para ir embora, hesitou. Passou os dedos pelo meu rosto com um carinho quase hesitante e então murmurei:

Fica.

Eu sabia que ele não podia. Mas quis acreditar, por um segundo, que talvez ficasse. Ele beijou-me devagar, os lábios quentes contra os meus, e sussurrou:

Amanhã, prometo.

E saiu. Fiquei ali, no silêncio do meu apartamento, com o cheiro dele ainda na minha pele. Suspirei e, instintivamente, agarrei no telemóvel. Antes que pudesse evitar, o ecrã acendeu-se com uma chamada inesperada. Fred.

Atendi, surpresa.

Fred? — A minha voz saiu hesitante.

Estás viva. — A voz dele carregava um tom divertido.

Mal por mal! — Brinquei, tentando não demonstrar demasiado.

Pensava que te tinhas esquecido de mim.

Sorri, mordendo o lábio. Havia algo na voz dele que sempre me fazia tremer.

Achas mesmo? — Provoquei.

Ele riu do outro lado, mas a seguir suspirou.

Tenho saudades tuas.

Fiquei em silêncio por um momento. A última vez que estivemos juntos passou-me pela mente. Foi na minha casa, quando lhe contei sobre estar com o Paulo, sobre como precisava de me afastar dele. Mas não terminou como eu esperava. Ele não se foi embora. A noite acabou com ele a possuir-me, com a frustração misturada ao desejo, num ato que parecia tanto um adeus quanto uma tentativa de o manter ali.

Lembras-te da ultima noite que estivemos juntos? — Perguntei, com a voz mais baixa.

Cada detalhe. Como é que podia esquecer? — A voz dele tornou-se rouca. — E, sinceramente, não quero.

Fechei os olhos por um instante. Havia outra coisa que precisava de lhe perguntar.

E na praia? — Soltei, sem rodeios.

Fred ficou em silêncio por um momento.

O que foi aquilo, Fred? — Insisti. — Sabes bem que deixaste o Paulo desconfortável, que te aproveitaste do momento para marcar território.

E ele afastou-se de ti, não foi? — A resposta dele veio baixa, mas afiada.

Suspirei, senti a raiva misturar-se com a confusão.

Não era essa a questão.

Então qual é? — Ele provocou. — Queres que te peça desculpa por querer-te só para mim?

Mordi o lábio, senti um calor familiar a espalhar-se pelo meu corpo. Fechei os olhos, deixando-me afundar nas memórias, na saudade, na confusão de sentimentos que parecia nunca desaparecer.

Quando nos vemos? — Perguntou, num tom meio brincalhão, meio sério.

Suspirei, olhando para a porta por onde o Paulo tinha saído há pouco. Entre os meus dedos, uma pétala do ramo que ele me trouxe. Fechei a mão sobre ela, como se assim pudesse segurar tudo o que sentia ao mesmo tempo.

Não sei, Fred.

Quando souberes, diz-me.

A chamada terminou, mas a saudade ficou.


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