Terça | 25 de Fevereiro de 2020




Decidimos sair para jantar. O restaurante que Paulo escolheu era pequeno, mas encantador. O ambiente era acolhedor, as mesas estavam dispostas com velas suaves que projetavam uma luz quente e suave, criando uma sensação de intimidade. O som suave de uma melodia de fundo completava o cenário. Sentámo-nos à mesa, e ele, em silêncio, observava-me atentamente, como se estivesse a guardar cada detalhe, cada movimento meu.

O quê? — Perguntei-lhe, um sorriso brincando nos meus lábios. Ele parecia tão concentrado que a curiosidade falou mais alto.

Estou a decorar-te. — Respondeu, sem desviar os olhos, como se as palavras não fossem suficientes para expressar o que estava a sentir.

Senti o calor a subir-me pela pele, um rubor que não consegui esconder. Aquelas palavras, simples mas carregadas de uma ternura inexplicável, fizeram o meu coração acelerar. A conversa, no entanto, não perdeu o ritmo. Fluiu facilmente entre risos, confidências e olhares que falavam mais do que mil palavras. A proximidade entre nós parecia aumentar a cada momento, como se o mundo lá fora desaparecesse quando estávamos juntos. Era só ele e eu, e a sensação de que nada poderia nos separar.

No meio de risos e confidências. Estávamos a falar sobre algo simples, quando ele parou de falar e olhou para mim de maneira diferente. Algo nos olhos dele fez com que o ambiente ao nosso redor não existisse.

Estás bem? — Perguntei, com um tom de voz mais sério do que o habitual. Ele estava... distante, de algum modo.

Suspirou profundamente, como se estivesse prestes a dizer algo que nunca havia dito. Mas antes que eu pudesse perguntar o que estava a acontecer, ele tirou algo do bolso, algo que brilhava suavemente sob a luz das velas. Era um pequeno pedaço de papel, envelhecido, com marcas de tempo que ninguém mais teria notado.

Encontrei à uns anos atrás, num café, e queria partilhar contigo. — Disse ele, com um sorriso tenso, como se o peso do momento fosse tão grande quanto a própria lembrança.

Era uma carta. Uma carta velha, escrita com uma caligrafia que eu não reconhecia, mas que trazia uma melancolia silenciosa. Quando Paulo me entregou a carta, os seus olhos estavam mais intensos, como se o passado tivesse voltado à tona de uma maneira inesperada. A carta não era dele, mas algo nela o havia marcado. Enquanto a lia, eu podia sentir a tensão aumentar.

"Se alguém algum dia te disser que o amor não é para sempre, não acredites. O amor é eterno, mas o tempo… ah, o tempo, esse traiçoeiro! Ele arrasta-nos para caminhos onde não conseguimos mais ver quem fomos. Tive um amor como o teu, ou talvez, como o que vejo em ti agora. Era forte e certo, mas a vida é cruel e, às vezes, os corações são tão grandes que não conseguem caber na mesma história. Ele amava-me, mas a dor de amar, de saber que nada é seguro, tornou-se mais forte. Nunca me disse, mas eu soube que ele partiu não por querer, mas porque a vida o levou a fazer escolhas que não sabia como voltar atrás. Se leres isto algum dia, por favor, não duvides do amor, mesmo que ele se vá embora. O que importa é que ele foi real.”

Eu parei de ler, e senti uma onda de emoção que não sabia de onde vinha. As palavras estavam impregnadas de saudade, de dor e, acima de tudo, de um amor que não poderia mais ser. Eu olhei para Paulo, que estava silencioso, observando-me com uma intensidade nova. Ele nunca me falou sobre essa carta antes, mas eu sabia que algo naquele pedaço de papel tinha tocado fundo nele.

Paulo... por que guardaste isso? — Perguntei, com a voz a tremer ligeiramente.

Porque… — Ele hesitou, como se as palavras não saíssem com facilidade. — Porque essa carta foi escrita por alguém que estava a viver algo que não consegui entender completamente, mas que parecia ser a história de todos nós. Encontrá-la naquele café, naquela tarde chuvosa… foi como encontrar um pedaço do meu próprio medo. Medo de perder o que é importante, medo de não saber como manter o amor vivo.

— Obrigado pela partilha! — Disse emocionada.

Quando saímos do restaurante, a noite estava fria, a brisa cortante do final de fevereiro a bater contra os nossos rostos. Mas antes que o frio se fizesse sentir, ele encostou-me ao carro, os corpos quase colados, e com um gesto suave, aqueceu-me com os braços fortes. O seu toque transmitia uma calma reconfortante, como se ele soubesse exatamente como fazer com que o mundo desaparecesse ao nosso redor.

Já estou com saudades. — Murmurou contra os meus lábios, e antes que eu pudesse responder, beijou-me. Mas não foi um beijo qualquer. Foi intenso, profundo, como se quisesse marcar cada segundo daquele momento, saboreando-o ao máximo, como se fosse o último. Aquele beijo parecia carregar todas as promessas que os nossos olhares trocaram durante o jantar, e mais. Era um beijo carregado de desejo, mas também de uma doçura que apenas ele sabia oferecer.

E, claro, a noite continuou a sua marcha, sem pressas, mas com a certeza de que nenhum de nós queria que aquele momento acabasse tão cedo. Não demorou até que acabássemos, claramente, em casa dele. O sexo foi uma explosão de sensações, de toques, de suspiros e de uma conexão que não precisava de palavras. O desejo de estarmos juntos era tão forte que o mundo lá fora desapareceu novamente, como se a única coisa que importasse fosse aquele instante. O corpo dele contra o meu, o calor, a intimidade... tudo parecia perfeito, como se não pudéssemos estar mais próximos, como se o tempo tivesse parado ali.

Na manhã seguinte, ainda atordoada pela intensidade da noite, acordei cedo. A casa dele já estava silenciosa, mas os ecos da nossa noite ainda estavam em cada canto. Com um beijo suave, despedi-me dele e regressei à minha casa, o coração ainda batendo mais rápido do que o habitual, uma sensação de saudade a formar-se antes mesmo de eu sair pela porta. Ele ficaria na minha mente o dia inteiro, e eu sabia que, no fundo, mal podia esperar para vê-lo de novo.


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