Terça | 14 de Abril de 2020




O sol começava a descer sobre as montanhas, e a luz suave refletia na caravana, criando uma atmosfera calma. Dentro dela, a minha mente estava distante, vagando para pensamentos que preferia não ter. Eu estava ali, com o Paulo, depois de tanta angústia, fechados em casa, finalmente estávamos a conseguir viver um momento de felicidade. Mas algo me estava a incomodar.

Enquanto o Paulo estava sentado à mesa, a mexer no mapa, e tentava traçar as próximas rotas para o que poderíamos fazer a seguir, eu recostei-me na cama, observando-o. O sentimento de êxtase do momento anterior começava a dar lugar a uma sensação de dúvida. A fuga era algo imprevisível. Era intensa e cheia de emoções, mas o que aconteceria depois? Quando a bolha em que estávamos rebentasse, o que restaria?

"Será que ele vai realmente querer continuar assim? E eu? O que será de mim quando voltarmos para a realidade?"

Mordi o lábio, distraída com os meus próprios pensamentos. Ele, ao perceber que eu estava em silêncio há algum tempo, virou-se para mim.

Estás bem?

Olhei-o nos olhos, tentando esconder o turbilhão que estava sentir, mas ele já sabia. Sabia quando eu estava a pensar demais.

Estou… só a pensar.

Ele aproximou-se e sentou-se na cama, observando-me atentamente.

Sobre o quê?

Suspirei, a olhar para o teto, a tentar encontrar as palavras certas.

Sobre nós… sobre o que isto tudo significa.

O Paulo pegou na minha mão, acariciando-a suavemente.

Nós estamos aqui agora, juntos, e isso é tudo o que importa. O resto… logo veremos. Não precisamos de ter todas as respostas já.

Sorri, mas a incerteza ainda me assombrava.

O meu telefone tocou de repente, interrompendo o momento. Fred. A expressão do Paulo mudou instantaneamente, os músculos tensos, e um olhar possessivo e desconfortável tomou conta dele. Nunca o tinha visto assim.

Olhei para ele, tentei disfarçar a tensão que já podia sentir no ambiente. O Paulo cruzou os braços e afastou-se, desconfortável.

Vais atender?— Disse de forma ríspida, com um tom que, mesmo suave, era carregado de algo que não soube identificar.

Hesitei, mas atendi.

Olá, Fred.

Do outro lado, a voz do Fred soou, como sempre, calorosa, mas agora havia uma leve preocupação no tom.

Então, como estás? Como vai tudo por aí? Estás bem?

Estou bem. A quarentena tem sido… bem estranha. Mas estou a aguentar.

Eu sei, parece tudo uma loucura. E quanto ao Paulo? Como estão as coisas entre vocês?

Senti um nó na garganta, como se o simples facto do Fred mencionar o Paulo fizesse tudo parecer mais real, mais complicado. Olhei para Paulo, que estava agora virado para a janela, de postura rígida, claramente incomodado.

Estamos bem, Fred. Estamos… a passar por isto juntos.

Fred continuou, agora mais descontraído.

Que bom! Fico feliz por saber que está tudo a correr bem entre vocês. E eu, bem, a quarentena tem sido mesmo um teste, né?

Senti uma leveza no tom do Fred. O Paulo não gostava de como o Fred falava comigo, não gostava de como as coisas estavam a ser tão naturais entre nós. Ele sabe que a minha ligação com o Fred nunca irá desaparecer completamente.

E tu, como estás a lidar com isto? — Perguntei.

Bem, tento manter-me ocupado. Mas confesso que tenho saudades de algumas coisas. — Respondeu.

O Paulo não aguentou mais. Virou-se abruptamente, o corpo tenso como uma corda esticada.

Laura… — Diz com a voz baixa e carregada de emoção. — Desliga isso. Não quero mais ouvir.

Surpresa pela interrupção dele, tentei tranquilizá-lo.

Paulo, é só uma conversa. Não há nada entre nós.

Mas, mesmo com minhas palavras, a insegurança do Paulo estava a flor da pele.

Desliguei o telefone e fui até ele, tocando-lhe no braço.

Eu estou aqui contigo, Paulo. Só contigo.

Mas ele estava claramente em conflito, e o ar era quase insuportável.

Eu sei… mas isto… não é fácil para mim, Laura." — Disse, com a voz a falhar, entre a frustração e o desejo de não a perder.


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